segunda-feira, 22 de abril de 2013

O dia que Lázaro não se levantou

Ressurreição de Lázaro - Van Gogh

A paixão de Cristo, quaresma, bacalhau, ovos de páscoa e encenações. É assim em boa parte do território brasileiro e não seria diferente em Bom Jesus do Amparo, cidade mineira próxima de Itabira, ali, nas margens da rodovia que leva boa parte dos "sem praia" ao litoral.

A mobilização que acontece em boa parte das cidadezinhas interioranas também acontecia ali. A paróquia preparando a praça, as donas as roupas e os moradores os personagens. O Cristo do ano deixava a barba crescer, Pilatos tomava limão com boldo pra fazer a cara de vilão e os soldados romanos reclamavam entre si, por serem os soldados romanos.

Lázaro, bem, Lázaro aprendia a se fingir de morto, o daquele ano, um amigo meu.

Como toda cidade mineira que se preze, a cachaça era servida como café para aqueles que não faziam os quarenta dias de penitência, o Lázaro de Amparo, que deveria ser o de Betânia, não, não estava em quarentena.

Entre um gole e outro, como uma providência divina, ele recebeu um sinal e partiu para casa, afim de descansar e poder em paz fazer sua ressuscitação.

O nosso Lázaro dormia, Cristo cortava, pregava a madeira, as avós em ladainha e nosso Lázaro. Dormia!
Uma encenação digna de Oscar, de fato o rapaz parecia morto, não em sua catacumba, mas em casa.

Um pouco de preocupação daqueles que estavam ali para vê-lo, levaram a chamá-lo, afinal, estava quase na hora de Lázaro "se levantar" em casa e em praça, para dar motivo as orações e velas da cidade.

Já preocupados com o horário, a maquiagem de Lázaro começou a ser feita com ele ali, na sesta mesmo. Da varanda do quarto, já se via Cristo caminhando "Eu sou a ressurreição e a vida. O que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo o que vive e crê em mim, nunca jamais morrerá; crês isto?"

- Puta que pariu, ele vai ressuscitar Lázaro, acorda velho, corre, tá sua hora.

Puxa ele da cama, vira, balança, mas nada do safado acordar.

Na praça, o Cristo ia dando o texto numa velocidade de assustar "Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus?"

Pronto, lá vai Jesus dar a deixa e nosso Lázaro ainda aqui no seu terceiro sono.

Luzes em Cristo, multidão em oração.

" Lázaro, sai para fora!"

" Lázaro, levanta-te!"! Levante meu irmão! Lázaro!

Orações mais altas, bíblias abertas, senhoras conversam entre si. "Uai, essa passagem não está aqui"

 Lázaro! Oh Lázaro, levante! Bernardo seu safado sai daí (falando baixo)!

A resposta também vem em meio tom "O Zé, psiu, vem cá Zé, o Lázaro não veio"

Cristo, com o semblante de agora lascou, respira fundo, se vira para os fiéis e recobre o texto:"Pai, graças te dou que me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa desta multidão que me cerca, a fim de crerem que tu me enviaste" "Meu povo de Bom Jesus do Amparo, Lázaro está vivo! Só não sei onde, resmunga para si.

A paixão de Cristo transcorre normal, com crucificação, pai nosso e elevações aos céus. Mas essa foi a primeira vez que Cristo ficou sem um de seus milagres. Ou quase...

... Três horas depois.

O irmão de Bernardo abre a porta do quarto.

- Agora o Lázaro se levanta, Levanta-te Lázaro. Só uma coisa, dizem que Cristo é bom, mas o Zé!

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