Ressurreição de Lázaro - Van Gogh
A paixão de Cristo, quaresma, bacalhau, ovos de páscoa e encenações. É assim em boa parte do território brasileiro e não seria diferente em Bom Jesus do Amparo, cidade mineira próxima de Itabira, ali, nas margens da rodovia que leva boa parte dos "sem praia" ao litoral.
A mobilização que acontece em boa parte das cidadezinhas interioranas também acontecia ali. A paróquia preparando a praça, as donas as roupas e os moradores os personagens. O Cristo do ano deixava a barba crescer, Pilatos tomava limão com boldo pra fazer a cara de vilão e os soldados romanos reclamavam entre si, por serem os soldados romanos.
Lázaro, bem, Lázaro aprendia a se fingir de morto, o daquele ano, um amigo meu.
Como toda cidade mineira que se preze, a cachaça era servida como café para aqueles que não faziam os quarenta dias de penitência, o Lázaro de Amparo, que deveria ser o de Betânia, não, não estava em quarentena.
Entre um gole e outro, como uma providência divina, ele recebeu um sinal e partiu para casa, afim de descansar e poder em paz fazer sua ressuscitação.
O nosso Lázaro dormia, Cristo cortava, pregava a madeira, as avós em ladainha e nosso Lázaro. Dormia!
Uma encenação digna de Oscar, de fato o rapaz parecia morto, não em sua catacumba, mas em casa.
Um pouco de preocupação daqueles que estavam ali para vê-lo, levaram a chamá-lo, afinal, estava quase na hora de Lázaro "se levantar" em casa e em praça, para dar motivo as orações e velas da cidade.
Já preocupados com o horário, a maquiagem de Lázaro começou a ser feita com ele ali, na sesta mesmo. Da varanda do quarto, já se via Cristo caminhando "Eu sou a ressurreição e a vida. O que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo o que vive e crê em mim, nunca jamais morrerá; crês isto?"
- Puta que pariu, ele vai ressuscitar Lázaro, acorda velho, corre, tá sua hora.
Puxa ele da cama, vira, balança, mas nada do safado acordar.
Na praça, o Cristo ia dando o texto numa velocidade de assustar "Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus?"
Pronto, lá vai Jesus dar a deixa e nosso Lázaro ainda aqui no seu terceiro sono.
Luzes em Cristo, multidão em oração.
" Lázaro, sai para fora!"
" Lázaro, levanta-te!"! Levante meu irmão! Lázaro!
Orações mais altas, bíblias abertas, senhoras conversam entre si. "Uai, essa passagem não está aqui"
Lázaro! Oh Lázaro, levante! Bernardo seu safado sai daí (falando baixo)!
A resposta também vem em meio tom "O Zé, psiu, vem cá Zé, o Lázaro não veio"
Cristo, com o semblante de agora lascou, respira fundo, se vira para os fiéis e recobre o texto:"Pai, graças te dou que me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa desta multidão que me cerca, a fim de crerem que tu me enviaste" "Meu povo de Bom Jesus do Amparo, Lázaro está vivo! Só não sei onde, resmunga para si.
A paixão de Cristo transcorre normal, com crucificação, pai nosso e elevações aos céus. Mas essa foi a primeira vez que Cristo ficou sem um de seus milagres. Ou quase...
... Três horas depois.
O irmão de Bernardo abre a porta do quarto.
- Agora o Lázaro se levanta, Levanta-te Lázaro. Só uma coisa, dizem que Cristo é bom, mas o Zé!
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